Apenas o grito a assistir à sua extinção.

Friday, December 16, 2011

Esclerose Múltipla (metafísicamente)

Mais de 50 mil pessoas estão afetadas na Alemanha por esse quadro de sintomas; no mundo, mais de dois milhões. Eles são em maior número nos países setentrionais que nos meridionais e as mulheres são nitidamente “preferidas”. A irrupção ocorre na maior parte das vezes entre o 20o e o 40o ano de vida com o que, considerando em retrospectiva, os rastros do quadro podem muitas vezes ser traçados até a infância. Já o nome esclerose múltipla nos dá indicações significativas. Esclerose, traduzido do latim, significa endurecimento. Esta expressão da medicina se refere ao sistema nervoso, mas define igualmente bem o padrão psíquico básico do afetado. Este caracteriza-se por uma extraordinária dureza contra si mesmo e contra o mundo, que freqüentemente se expressa em falta de consideração em relação às próprias necessidades e em fundamentos e concepções morais duros e, em parte, precipitados. Não é raro que os endurecimentos do sistema nervoso central encarnem o endurecimento de temas centrais para a vida. As conexões entre os nervos danificadas e especialmente às conexões dos nervos para os músculos, corresponde a falta de compromisso e a pouca disposição do paciente para a mediação entre suas próprias necessidades vitais e as exigências do mundo exterior. A medicina não está segura do fundamento físico da esclerose múltipla. A única certeza é a degeneração da capa de mielina que recobre os nervos, o que a longo prazo leva à perda da capacidade de condução nervosa.
A enfermidade tem tantas faces e sintomas que a princípio é freqüentemente mal diagnosticada. Estabelecido o diagnóstico, a medicina acadêmica[i] se cala a respeito, devido à implacabilidade e intratabilidade da doença. Esse procedimento, duvidoso em si mesmo, é especialmente absurdo com pacientes de esclerose múltipla já que, devido a seu padrão anímico, eles se vêem em uma situação desesperada sem diagnóstico. Como eles exigem funcionar mais do que bem e fazer tudo com perfeição, e além disso tendem a assumir eles mesmos toda a culpa, suas múltiplas deficiências os colocam em situações desesperadoras. Isso chega ao ponto de eles aceitarem o diagnóstico com verdadeiro alívio quando finalmente o recebem, já que este os libera definitivamente do ódio da simulação e da pressão sobre si mesmos e finalmente lhes dá um pretexto para relaxar ao menos um pouquinho o próprio perfeccionismo. Eles agora já não precisam mais poder tudo.
A tendência de ranger os dentes e culpar-se a si mesmo, aliada a uma certa teimosia, são também um perigo para as interpretações que se apresentam. Indica-se aqui uma vez mais que nunca se trata de avaliação, ainda que o idioma faça com que pareça ser assim, mas sempre de interpretação. Quando se interpreta a vida do paciente com todos os seus fenômenos, ela não se torna melhor ou pior; ela se transforma em significado.
Apesar de sua variedade, os sintomas circunscrevem um padrão básico. A sensibilidade dolorida da coluna vertebral, muito freqüente, decorre dos processos inflamatórios crônicos que se desenvolvem nas profundezas desse âmbito. Muitos afetados queixam-se de dores nos pés, o que denota como para eles é difícil o caminho, que na maioria das vezes não é o deles mesmos. As dores nos pés e nas pernas mostram como lhes é doloroso agüentar o caminho que está sendo percorrido. Elas forçam à condescendência, a assumir a própria dolorosa fraqueza. O fato de que se continue afirmando que a doença transcorre sem dores deve soar macabro aos ouvidos daqueles que dela sofrem.
As perturbações da sensibilidade expressam que os afetados não mais sentem e, com isso, não mais percebem em muitos campos do corpo e da alma. Eles não percebem nem mesmo quando o médico lhes toca o corpo com uma agulha. Eles não percebem mais nem mesmo coisas que os roçam e que ameaçam feri-los; eles se desligaram. Pode-se de fato falar de um desligamento do mundo exterior e de seus efeitos. Tal desligamento explicita-se também em outros sintomas tais como o enfraquecimento dos reflexos, que pode chegar à perda total dos reflexos. Os reflexos são as respostas mais simples que o sistema nervoso dá aos estímulos. As pessoas sem reflexos perderam as mais antigas possibilidades de reação ao ambiente que herdaram, ou seja, que lhes foram dadas. Eles não reagem no sentido mais verdadeiro da palavra. Por mais que sejam estimulados, eles permanecem mudos e - no sentido mais profundo - não respondem mais à vida e suas exigências. A isso corresponde a apatia, que muitas vezes surge em fases. A palavra "apatia" vai um passo além em seu significado literal, já que quer dizer "não sofrer" (do grego a = não e pathos = sofrimento). Com isso ela caracteriza, além da frouxidão típica, a recusa de participar da vida e de compadecer-se. É verdade que os pacientes tentam fazer tudo corretamente para todos, mas sem engajamento interno. Como é que eles podem participar da vida de outros quando eles não simpatizam com a própria vida, como demonstram as perturbações da sensibilidade. Sensações de surdez são freqüentemente os primeiros sintomas e podem começar tão paulatinamente que às vezes os afetados somente tomam consciência de sua situação mais tarde.
Aliada a isso está a perda de energia que surge em quase todos os casos. Os pacientes pouco a pouco se dão conta de que tudo lhes custa muito esforço e que as atividades cotidianas mal podem ser levadas a cabo. A vida, no mais verdadeiro sentido da palavra, custa demasiado esforço. Finalmente eles, muitas vezes, não podem mais erguer as pernas. Em sentido figurado, a fraqueza que se impõe impede o progresso e a ascensão na vida, apesar da freqüente ambição. Com as pernas que não mais sustentam, o corpo sinaliza que a base da vida perdeu sua capacidade de suporte. A paralisia corporal externa é uma reprodução da interna. A princípio os pacientes ainda tentam muitas vezes arrastar-se pela vida, agarrando-se a cada parada e a cada palha. Mesmo quando já estão há muito capengas, eles negam-se enquanto podem a valer-se da ajuda de uma terceira perna, que volta a ampliar a base da vida. Assim como a bengala, até mesmo a cadeira de rodas, cercada de uma aura de horror, pode trazer enorme alívio quando os pacientes acedem a aceitar auxilio.
A deficiência de força, que chega a surtos de paralisia nos dedos e nas mãos, mostra que falta força para tomar nas mãos a própria vida. Não pode haver coincidência maior em ambos os planos. A situação interna, sentida como paralisada, corresponde aos surtos de paralisia.
O cansaço paralisante que surge em muitos casos se adapta igualmente a esse quadro. Vários pacientes chegam a dormir até dezesseis horas e o sono consome mais da metade de suas vidas. Não é raro que eles descrevam seu estado após o despertar tardio como “entorpecido". O entorpecimento em relação à própria vida e suas necessidades é característico. A recusa sentida demonstra que já se desistiu do curso da vida e já não se deve mais esperar a busca de um objetivo com as próprias forças. É verdade que popularmente costuma-se dizer que cansaço não é doença, mas essa forma que consome toda a vida vai muito além do cansaço resultante do desgaste de energia. Evidentemente há aqui a participação de uma certa quantidade de defesa contra uma vida fraca que foi forçada para o corpo. Os pacientes afirmam freqüentemente que prefeririam dormir ao longo de todas as suas misérias. Por outro lado, o dispêndio de energia é também muitas vezes enorme. Para os pacientes, tudo é tão fatigante que até mesmo coisas insignificantes os deixam extremamente cansados. A faca da cozinha pode ser pesada demais quando o próprio braço já é sentido como um lastro. Tais pesos plúmbeos denotam a carga que oprime os afetados também em sentido figurado. Suspeita-se que em algum lugar há um furo por onde a energia escorre. É provável que a medicina tenha encontrado esse buraco: pesquisas sobre o sistema imunológico vêem na esclerose múltipla uma doença de auto-agressão. Todas as energias disponíveis são utilizadas na luta contra si mesmo, de modo que sobra pouco para a vida externa.
Outros sintomas afetam a bexiga, aquele órgão com o qual nos aliviamos mas com que podemos também pressionar. Também nesse caso, a fraqueza está em primeiro plano em muitos pacientes de esclerose múltipla. Eles não podem mais reter a urina, e a bexiga a deixa escapar à menor oportunidade. O sintoma força um retorno à situação da primeira infância, com sua incapacidade de controlar as funções fisiológicas e a própria vida. Os pacientes de EM deixam fluir embaixo, onde ninguém mais pode notá-las, as lágrimas não choradas acima - que eles, em sua ausência de reação e bloqueio das sensações não podem admitir. Esse choro transposto pode também voltar a transformar-se em verdadeiro choro quando a doença se desenvolve completamente e as medidas de defesa, com o sofrimento, tendem a desmoronar. Não é raro então que o paciente se torne extremamente choroso, o que é muito doloroso para ninguém mais que o próprio afetado. Qualquer insignificância, uma cena de filme tocante ou algo parecido, libera o fluxo anímico estancado por tanto tempo e provoca um banho de lágrimas. Ou então as lágrimas escorrem constantemente, mostrando aos pacientes como eles deveriam ter chorado (animicamente). Uma vida seca de sentimentos não corresponde evidentemente à sua determinação, e os olhos sempre úmidos mostram como eles, no mais íntimo, se sentem tocados. Isso é valido em geral para a insensibilidade e a dureza voltadas para fora. Onde o dique se rompe, surgem explosões de sentimento que mostram uma pessoa totalmente diferente.
Nas inflamações da bexiga encarna-se o conflito relativo a soltar, aliviar-se. Este conflito se torna uma necessidade ardente. O sintoma o força a fazê-lo constantemente, sem que possa dar muito de si e de sua alma. Ele demonstra não somente como o alívio é necessário mas também como ele é difícil e como é sentido de maneira dolorosa.
A retenção da urina, que ocorre igualmente e que é praticamente o contrário da fraqueza da bexiga, encarna a extrema reserva em relação às coisas anímicas. O fato de que a incontinência chorosa da urina possa alternar-se com sua total retenção mostra como todo o fenômeno é independente da corporalidade pura. A retenção do próprio fluxo anímico é um sintoma característico da situação anímica básica.
Os problemas de linguagem que ocorrem ilustram o mesmo drama. As perturbações para encontrar palavras mostram que aos pacientes faltam palavras. Eles estão sem fala. Sua auto-expressão fica sensivelmente perturbada quando se torna problemático construir uma frase em determinado contexto. A dificuldade em construir uma frase inteira que seja completa em seu sentido para preservar o contexto é outra característica que deixa clara a perturbação do contexto geral. A coordenação de partes relacionadas umas com as outras está perturbada. A vida vivida é incompatível com o próprio ser. Os problemas de coordenação são também decisivos em outros âmbitos. Eles incapacitam os pacientes antes ainda das paralisias, levando ao típico andar inseguro que lembra o de um bêbado. Os afetados titubeiam pela vida e somente podem dispor de seus músculos de forma muito limitada. Essa indeterminação é geral. O quadro de sintomas evolui em altos e baixos tão imprevisíveis que os pacientes somente podem confiar no momento.
O ponto fraco dos afetados no plano corporal é a conexão entre nervo e músculo. De acordo com a medicina acadêmica, a EM trata-se sobretudo de uma inflamação degenerativa nervoso-muscular, um conflito crônico, portanto, no ponto de conexão entre a condução de informação e os órgãos de movimento que a executam. A transmissão de informações é colocada em questão. No caso da dificuldade em encontrar palavras, os pacientes não mais transmitem suas informações ao marido ou à esposa, perdendo assim uma possibilidade substancial de exercer influência sobre o meio ambiente. Na medida em que não podem mais influenciá-lo com palavras, eles perdem também a capacidade de governá-lo. A perda do controle verbal é uma ameaça terrível para pessoas cujo controle interno se estende sobre tudo. Caso a influência seja exercida através da escrita, a iminente paralisia do braço pode gerar grande angústia. A explicação para o extraordinário grau de organização, tanto dos enfermos individuais de EM como de toda a comunidade que compartilha esse destino, está nessa tendência de controlar e exercer influência. Eles até mesmo chegam a ajudar outros doentes em seus esforços fundamentais. Especialmente os pacientes que superaram seus próprios problemas encontram aqui um campo para seu padrão interno. Desde que não seja utilizado para desviar-se das próprias tarefas e sim, ao contrário, para reconhecê-las no espelho de outros doentes, há aqui uma solução magnífica.
Os problemas de memória apontam na mesma direção. Os pacientes não reparam mais em nada, não retém nada e, assim deixam de participar das conversas. Eles não são mais responsáveis, eles não são nem mesmo capazes de responder concretamente, seja às exigências do interlocutor ou às da vida. É óbvio que quem não pode responder tampouco pode arcar com nenhum tipo de responsabilidade. Os pacientes ativos e orgulhosos raramente querem perceber aquilo que o quadro de sintomas deixa tão claro, e eles freqüentemente se negam a aceitar a invalidez, já que ela justamente os exime da obrigação de ser responsáveis por si mesmos.
A perda da capacidade de concentração mostra a incapacidade de permanecer em uma coisa. Os pacientes de EM têm fundamentalmente a tendência de ater-se com rigor a pontos de vista, mesmo quando raramente estão em posição de defendê-los contra outros e até mesmo de impô-los. Eles têm a exigência de uma firmeza e uma fidelidade aos princípios que chega à rigidez e à obstinação. O declínio da capacidade de concentração, assim como a incontinência da bexiga, é uma tentativa de auto-ajuda do corpo. Sem concentração torna-se impossível para o afetado persistir trilhando os caminhos aos quais está acostumado. Ao contrário, eles são atirados fora da pista o tempo todo, esquecem o assunto e precisam orientar-se novamente.
Eles certamente também perdem a realidade de vista de maneira muito concreta, já que o sentido da visão também se deteriora com freqüência. Nas raras visões luminosas, tais como relâmpagos claros, pode-se ver a tentativa do organismo de acender uma luz para o paciente em relação à sua percepção. Eles evidentemente vêem coisas que não existem. Muitas vezes véus recobrem os olhos e ocorrem surtos periódicos de cegueira. Quando exatamente meio campo de visão desaparece, a interpretação é simples: só se vê ainda uma metade (a própria) da realidade. Imagens duplas, que surgem com freqüência, denotam uma duplicidade de interpretação e de sentido bastante perigosa. Expressões como "fundo duplo" ou "dupla moral" dão a entender a qualidade que aqui participa. Faz parte também desse contexto o fato de que as concepções morais e éticas são muitas vezes tão estritas que o que é simplesmente não pode ser. As imagens duplas também podem apontar para isso. A realidade - sem que se perceba - é medida com duas medidas.
A dupla ótica dá a entender que se tenta viver simultaneamente em dois mundos incompatíveis. O mundo das próprias necessidades e o das exigências do meio ambiente são incompatíveis, razão pela qual a maioria dos pacientes decide, inconscientemente, atenuar de maneira drástica os próprios sentimentos e percepções ou simplesmente não mais perceber. Entretanto, as imagens duplas mostram que as idéias próprias continuam existindo na sombra e a partir daí entram em concorrência com o mundo externo. Os pacientes de EM são, por assim dizer, crianças de dois mundos (em luta um como outro). Eles não podem levantar-se inteiramente em nenhum desses mundos e sentam-se entre os assentos. Duas percepções que não se coadunam fazem muitas vezes com que uma delas se torne vertiginosa. O mecanismo é o mesmo do enjôo quando se viaja de navio. Simplesmente, uma vertigem se faz presente.
As freqüentes perturbações do equilíbrio encaixam-se aqui. Elas mostram quão pouco os pacientes estão em harmonia, animicamente falando. Eles se movem sobre um solo oscilante. Muitas vezes, a experiência é descrita como se o subsolo (o solo da vida?) afundasse, é preciso lutar para mover-se para a frente como quem caminha sobre areia movediça ou como um equilibrista na corda bamba. A sensação de que o chão desaparece sob os pés do afetado como se ele estivesse bêbado mostra quão pouco firme e confiável é o contato com a própria base e o enraizamento no solo anímico. O medo de precipitar-se de pontes estreitas mostra a ameaça da vida e a proximidade do abismo ao caminhar pela crista. De fato, o risco de precipitação toma-se mais próximo com o progresso do quadro de sintomas. A sombra não vivida ameaça atrair o paciente para sua área de influência. Isso torna-se especialmente perigoso quando a essa oscilação somam-se fraqueza e perturbações na sensibilidade das pernas, que com freqüência parecem extremamente pesadas ou como se estivessem dormentes.
A estrutura de personalidade resultante, por um lado, está impregnada do desejo de controlar e planejar tudo com antecedência e, por outro, da falta de uma reação adequada frente aos desafios. Assim que algo vai contra suas concepções fixas e freqüentemente rígidas, surgem resistência e angústia nos pacientes. O considerável medo do fracasso e a falta de autoconfiança, no entanto, impedem que eles dêem expressão à sua indignação. Para quem está de fora, essa mistura dá facilmente a impressão de teimosia.
Para o afetado, a repressão de todos os impulsos vitais próprios, reações e respostas à vida é praticamente inconsciente. Quando ela se torna rudimentarmente consciente, ocorrem também às vezes ultracompensações e uma sede de viver especialmente demonstrativa. A rigidez e as concepções fixas contrastam com a tendência de fazer justiça a tudo. Com isso, os pacientes negligenciam suas próprias necessidades, o que os torna internamente irados. Em boa medida incapazes de impor-se e externar agressões, eles as dirigem para dentro, contra si mesmos. A explicação médica da EM como uma enfermidade de auto-agressão explica para onde vai a energia. Frases típicas durante a terapia são: "Eu não vivi”, "Meu casamento foi um único auto-sacrifício", "Eu passei a vida pedindo desculpas", "Eu nunca me permiti uma fraqueza" ou "Eu me afastei tanto de mim mesmo”.
A problemática sexual desempenha um papel muito substancial, especialmente disseminada entre os homens e que vai da impotência à ejaculação precoce e à incapacidade de atingir o orgasmo. Devido ao posicionamento de vida dos pacientes, voltado para o exterior, é especialmente difícil que eles não façam comparações em suas valorações. Todo comportamento dirigido para o orgulho e a concorrência, que é fundamentalmente impeditivo no âmbito sexual, passa por terapias drásticas e a tendência geral do quadro de sintomas de impor a fraqueza é ainda mais incentivada.
Por um lado os sintomas tornam a pessoa sincera e, por outro, explicitam a tarefa de aprendizado e apontam o caminho. O endurecimento e a fixação exigem a consecução firme e conseqüente das próprias necessidades vitais e encontrar força em si mesmo. Uma forte autoconfiança precisa tornar-se a base da vida anímica e substituir o endurecimento dos nervos físicos. Só vale a pena ambicionar ter nervos de aço em sentido figurado. Pacientes de EM, com o medo que têm de ver a si mesmos - para não falar em realizar-se - tendem a fazer-se pequenos, desamparados e apáticos.
A liberação da fraqueza, em última instância, está na entrega, em assumir o ceder e o deixar acontecer impostos pelo corpo. k desistência da luta torna-se tarefa. A necessidade raramente externada que os pacientes de EM têm de planejar, dirigir e controlar tudo de acordo com suas concepções é submetida a terapia pelo destino. É somente quando se logra uma liberação das exigências do meio ambiente que se deve voltar a transformar o egoísmo conquistado e primariamente saudável e submeter-se a uma vontade superior. “Seja feita a Sua vontade, não a minha!” Mas antes que tais elevados ideais religiosos tenham uma chance, é necessário parar internamente sobre as próprias pernas. A necessidade de afirmar a si mesmo é dirigida por uma existência-sombra e é vivida quase exclusivamente nos sintomas da doença. É possível exercer poder com o diagnóstico de EM, o que raramente é visto e é freqüentemente combatido. A tarefa não pode estar em mais entrega às exigências do ambiente, mas em primeiro lugar em uma entrega às próprias necessidades e, em última instância, a Deus, ou seja, à unidade no sentido do "Seja feita a Sua vontade!". A entrega ao ambiente somente poderia atuar de forma redentora quando a obediência cadavérica e o seguir contrariado oriundos da fraqueza tornarem-se participação levada internamente, tal como acontece com freqüência quando os pacientes intervêm em favor de seus colegas de sofrimento. A exagerada necessidade de sono e o cansaço paralisante acentuam a noite e, com ela, o lado feminino do dia, alojando no coração dos pacientes. Os próprios sentimentos, sonhos e fantasias e seu espaço vital tornam-se tarefa de vida.
Dores na coluna dirigem a atenção para a luta pela própria linha e pela temática da retidão, que vibra também em outros sintomas. A tendência à tontura contém, além disso, a exigência de girar junto com o mondo, colocar em questão a certeza e o mundo aparentes dos próprios princípios e concepções morais e colocar novamente em movimento a rigidez de pontos de vista daí decorrentes. Os caminhos já percorridos e as concepções encalhadas que se tem por diante e que, portanto, estão no caminho, devem ser sacudidos e tornar-se vacilantes.
As imagens duplas indicam, entre outras coisas, que há ainda uma outra realidade ao lado da usual e que a vida tem de fato um chão duplo. Aquela autoconfiança que tanta falta faz aos pacientes de EM somente pode crescer a partir da confiança nesse segundo plano, o plano divino que contém todos os planos humanos.
A bexiga incontinente quer incitar a que se deixe fluir as lágrimas, aliviando a pressão da represa anímica em todas as oportunidades. A irritação da bexiga dirige a atenção para o conflito a respeito do tema "aliviar", "soltar". A retenção da urina, uma completa reserva e renúncia ao intercâmbio com o mundo, em seu sentido redimido sugere que se reflita sobre si mesmo, utilizando para si as energias anímicas: em vez de reserva e retirada, reflexão e consideração por si mesmo.
As perturbações da sensibilidade também apontam nessa direção: com a sensação do próprio corpo e a capacidade de sentir o mundo externo, é evidente que o mundo exterior com todas as suas exigências deve ter sido arrancado da consciência do afetado. O que resta como tarefa é aprender a tocar e sentir o mundo interno, que se tornou curto demais. A indicação apontando para o íntimo pode ser lida também nos surtos de paralisia. Quando as pernas não agüentam mais, evidentemente não se deve mais sair para o mundo, toda a correria pelos outros, ou seja, pelo reconhecimento através dos outros, terminou. Andar para dentro é a única possibilidade que permanece aberta. Quando as mãos ficam sem força, de maneira correspondente deixa de ser seu objetivo agarrar o mundo exterior para nele estampar seu próprio selo. A tarefa de tomar nas mãos a própria vida interna, ao contrário, continua sendo possível e adquire primazia.
A auto-reflexão que vai mais longe leva a imagens arquetípicas tais como as conhecem os mitos e a religião. Portanto, a tarefa mais abrangente, que pelo menos surge no horizonte em todos os quadros de sintomas, é a reflexão última e final sobre a pátria anímico-espiritual primordial do ser humano. Em sintomas que ameaçam terminar com essa vida ou limitá-la drasticamente, essa tarefa torna-se especialmente importante. Esse tema é acentuado ainda mais em um quadro de sintomas tal como a esclerose múltipla que, mais além dos sintomas, tão enfaticamente procura forçar uma retomada de relações consigo mesmo e com o próprio mundo interior. Com isso, o afetado aproxima-se do tema da religio, a religação com a origem no sentido religioso. E as grandes questões da existência humana saem do mundo das sombras para a luz da consciência:
"De onde venho?" - "Para onde vou?" - "Quem sou eu?"

Perguntas
1.    Por que sou tão duro comigo mesmo e julgo tão duramente os outros e mesmo assim tento fazer tudo certo para eles?
2     Onde eu tento controlar meu meio ambiente ou a mim mesmo sem estar em condições de fazê-lo?
3.    Que alternativas há neste mundo para meus inamovíveis pontos de vista sobre a vida, sua moral e sua ética?
4.    Como poderia aliviar a minha vida? Onde poderia ter mais paciência comigo mesmo? Como encontrar minhas fraquezas, posicionar-me em relação a elas?
5.    O que me impede de participar da vida? O que leva a que eu me desligue? Que possibilidades tenho de incorrer em stress, exigências exageradas e consumição?
6.    O que paralisa minha coragem anímica? Que resistência me deixa cansado?
7.    Por que eu me ensurdeço? Onde eu me finjo de surdo? Para que estou cego?
8.    Em que medida dirijo minha energia principal contra mim mesmo?
9.    Onde posso perceber em minha vida o fluxo anímico que vaza de minha bexiga? Onde as lágrimas estão atrasadas, onde elas são supérfluas?
10.   Até que ponto sou capaz de responder à vida e assumir responsabilidades? Por que alimento expectativas em lugar de escutar a mim mesmo? Como passo da determinação pelos outros para a responsabilidade própria?
11.   De que maneira as correntes de minha alma se relacionam em um padrão? Qual é sua ordem natural? O que está em primeiro lugar? Como podem ser coordenadas as ordens externa e interna?
12.   O que me impede de encontrar abertamente o incalculável e o mutável de minha vida?
13.   Como posso incluir-me no grande todo e encontrar o sentido de minha vida sem prejudicar minha identidade anímica?




[i] Além da cortisona, de efeitos bastante discutidos, atualmente a medicina acadêmica não tem nenhum outro remédio para a EM.

(extraído do livro "A doença como linguagem da alma")


Qualquer doença é manifestação de desequilíbrio da harmonia inerente á existência. Permita se conhecer.

Thursday, December 15, 2011

Cancro - (transcrito do livro "A Doença como Linguagem da Alma")

 
Por trás do diagnóstico “câncer" oculta-se um grande padrão que pode se expressar em uma grande variedade de sintomas. Cada um deles afeta toda a existência da pessoa, não importando em qual órgão tenha se originado. Neste ponto, o acontecimento do câncer é demasiado complexo para estar relacionado apenas com o órgão afetado. Sua tendência de propagar-se por todo o corpo mostra que se trata de toda a pessoa. O câncer, sob a forma de fantasma que assombra nossa época, toca não apenas aqueles que são diretamente afetados, mas toda a sociedade, que o transformou em tabu como nenhum outro sintoma. Anualmente morrem 200 mil pessoas de câncer na Alemanha, e para 1991 esperavam-se 330 mil novos doentes. Mais da metade dos afetados morrem, e a taxa em números absolutos de mortes por câncer continua subindo, apesar dos êxitos conseguidos pela medicina.
Até a descoberta dos hunza, não se conhecia nenhuma cultura que tivesse sido inteiramente poupada do câncer. Admite-se que somente este pequeno povo montanhês do Himalaia, até o contato com a civilização moderna, em meados deste século, jamais soube o que era o câncer. Os traços desse sintoma encontram-se hoje por toda parte, podendo ser detectados até no passado graças aos modernos procedimentos de pesquisa. A presença de tumores foi comprovada até mesmo em múmias incas com 500 anos de idade. Apesar dessa disseminação universal, o câncer tornou-se uma marca distintiva das nações industrializadas modernas. Ele não ganhou terreno de maneira tão fulminante em nenhum outro lugar. O argumento de que ele somente é mais freqüente nas nações industrializadas devido ao fato de que as pessoas que nelas vivem atingem uma idade mais avançada é correto no que se refere a algumas culturas, mas não se sustenta por principio, podendo ser rebatido em vários pontos. Por um lado, há tipos de câncer que atingem o ápice nos anos de juventude, por outro a própria medicina tradicional demonstra que determinados tipos d< câncer, tal como o câncer dos pulmões, estão relacionados de maneira unívoca com hábitos e venenos de nossa civilização. Mas, sobretudo, havia culturas antigas que possibilitavam uma longa expectativa de vida com um baixo risco de câncer. Na cultura chinesa de orientação taoísta, o câncer era extremamente raro, embora a expectativa média de vida das pessoas fosse a mesma da China atual Viver cem anos era considerado normal.
Sabe-se que antes de serem submetidos, os indígenas que habitavam originalmente a América viviam mais que nas épocas "civilizadas" posteriores. Eles praticamente não conheciam o câncer antes, mas a partir de então passaram a pagar também esse tributo. Uma outra prova de quanto o câncer tornou-se uma destacada ameaça à saúde em nossa época é o fato de ser ele, dentre todas as doenças, a que nos infunde maior terror. A descrição da doença já traz o selo de nossa avaliação: maligno. O infarto do coração, que ceifa mais vidas e confronta as pessoas com a mais pavorosa dor que se conhece, não desperta semelhante horror. O câncer necessariamente nos confronta com um tema que esta mergulhado ainda mais profundamente na sombra que a dor e que a própria morte. Além disso, nenhum outro sintoma torna tão clara a relação entre corpo, alma, mente e sociedade como o câncer. Quer partamos do nível celular, da estrutura da personalidade ou da situação social, por toda parte encontramos padrões semelhantes que conhecemos muito bem, que nos chocam e que não podem ser eliminados porque são os próprios padrões primordiais.



A maneira mais segura de diagnosticar o câncer encontrada pela medicina é nos grupos de células. Células cancerígenas diferenciam-se das células saudáveis por seu crescimento desordenado e caótico. Na célula individual, impressiona o grande tamanho do núcleo. Tal como se fosse a cabeça do empreendimento célula, ele contêm toda a informação necessária para seu complicado funcionamento. Ele controla o metabolismo, o crescimento e a divisão. A perversidade que ganha expressão no núcleo superdimensionado tem sua causa na enorme atividade divisória da célula, que não mais desempenha suas tarefas em conjunto com as outras células e passa a atuar sobretudo na multiplicação de si mesma. Enquanto o núcleo é na verdade pequeno no metabolismo normal, com a caótica divisão celular do evento cancerígeno ele cresce para além de si mesmo no mais puro sentido da palavra, fornecendo um projeto atrás do outro para sua descendência. Até mesmo os processos de regeneração no interior do corpo celular são deixados para trás em favor da incessante produção de novas gerações de células.
Este comportamento lembra as células jovens, ou seja, em estado embrionário, quando o objetivo é acima de tudo o crescimento e a multiplicação. As células da mórula, aquele aglomerado de células em que a vida humana se concentra a princípio, não têm ainda que desempenhar qualquer tarefa especializada, cuidando somente de sua multiplicação. Elas fazem isso através de animadas divisões e do respectivo crescimento. Ainda assim, isso ocorre de maneira mais ordeira que com as desconsideradas células cancerígenas. Além dos núcleos celulares superdimensionados e sua exagerada tendência à divisão, a indiferenciação das células também lembra as formas da primeira etapa, ainda não maduras. Em seu delírio de propagação elas descuidam muitas outras coisas, perdendo muitas vezes a capacidade de executar complicados processos metabólicos tais como a oxidação. Enquanto, por um lado, regridem à primitiva etapa preparatória da fermentação, por outro elas recuperam a capacidade de produzir substâncias que somente células embrionárias e fetais possuem. A medicina chama esse novo despertar e essa reativação de genes das primeiras fases do desenvolvimento de anaplasia. O que externamente se supõe ser um caos faz sentido do ponto de vista do câncer. Ele recupera capacidades primordiais e para isso elimina a especialização. Até mesmo essa eliminação apresenta uma vantagem. É verdade que a oxidação, por exemplo, é mais eficiente que a fermentação, mas esta é em grande medida independente de fornecedores. Enquanto as células normais dependem da respiração para o fornecimento, via sangue fresco, de oxigênio, uma célula que se limita à fermentação é em grande medida autônoma.
Conseqüentemente, a célula cancerígena tem menos necessidade de comunicar-se com suas vizinhas, o que é vantajoso se consideramos suas péssimas relações de vizinhança. Enquanto as células normais têm o que se chama de inibidor de contato, que suspende seu crescimento quando encontram outros cornos celulares, as células cancerígenas se comportam exatamente ao contrário. Não tendo fronteiras para respeitar, elas invadem territórios estrangeiros com brutalidade. É compreensível que, com isso, elas despertem a hostilidade da vizinhança. Descobriu-se há pouco que as células cancerígenas não se acanham nem mesmo em verdadeiramente escravizar outras células. Como são demasiado primitivas para executar processos metabólicos diferenciados, elas utilizam células normais e as privam dos frutos de seu trabalho. A célula cancerígena não tem escrúpulos e somente se preocupa, da maneira mais egoísta, com seu crescimento, e isso até mesmo em relação à sua própria progênie, formada exatamente à sua imagem. Muitas vezes, também, os próprios pais ficam no caminho, superados pelo desenvolvimento furioso e privados de provisórios. Encontram-se, freqüentemente, células mortas, necrosadas, no interior dos tumores, indicando simbolicamente que a mensagem central desse novo crescimento é a morte.
A regressão da célula cancerígena a um padrão de vida anterior mostra-se também em sua atitude parasita. Ela toma tudo aquilo que pode conseguir em alimentação e energia sem estar disposta a dar algo em troca ou a participar das tarefas sociais que ocorrem em qualquer organismo. Ela, assim, exagera um tipo de comportamento que ainda é apropriado para células embrionárias. Evidentemente, no entanto, aquilo que se tolera em uma criança pequena torna-se um problema em um adulto.
Ao ignorar todas as fronteiras, revela. se um outro passo atrás. Assim como as crianças aprendem pouco a pouco a respeitar limites, em seu processo de amadurecimento e diferenciação as células também aprendem a respeitar estruturas dadas e a permanecer dentro da moldura prevista para elas. As células cancerígenas, ao contrário, saem da moldura e deixam para trás tudo o que aprenderam ao longo da evolução. Elas não podem controlar nem fronteiras vitais, nem as grandes estruturas do corpo. Elas perdem totalmente aquele padrão para o qual foram destinadas originalmente. Uma célula secretora da mucosa normal do intestino se dividirá uma e outra vez para atender às necessidades de um organismo maior, o intestino, mas não escapará da moldura prevista para ela e suas iguais, espalhando-se pelo intestino. A célula intestinal que degenera em câncer realmente se degenera, muda de espécie, abandona tudo o que é especifico do intestino e segue seu próprio caminho egoísta. O padrão intestino que foi dado de antemão toma-se demasiado restrito para ela, que então salta sobre suas fronteiras de maneira tão revolucionária como destrutiva.
À medida que os campos morfogenéticos mencionados antes forem sendo pesquisados, possivelmente se chegará a uma compreensão mais profunda da problemática do câncer. Assim como ver o problema - no plano genético - em urna mutação, tem igualmente sentido abordá-lo a partir do ângulo cintilante dos campos formativos. O problema então passa a estar no abandono da moldura preestabelecida. Com isso, o problema se estenderia para além da célula individual, tornando-se um problema do tecido ou órgão afetado, que não esta mais em posição de impor seu padrão a todas as células individuais. Este principio poderia completar a explicação genética, já que em ambos os casos expressa-se na mesma medida o tema da evasão das normas estabelecidas. De fato, o câncer é tanto um problema do meio como da célula individual[i].
As tendências de regressão a que nos referimos aparecem até mesmo no nome, já que câncer é aquele animal conhecido principalmente por andar para trás. O caranguejo, que também é acusado como sendo responsável pelo batismo, tampouco se movimenta para a frente, e sim de lado. As expressões “krabbeln" e "herumkrebsen" [= arrastar-se], utilizadas para aqueles penosos esforços que não levam adiante, denotam tipos de movimento para a frente que não são dessemelhantes dos movimentos executados pelos pacientes antes da erupção do câncer. Não se pode explicar a origem do nome "câncer" de maneira inequívoca. Mas até mesmo a derivação apresentada pela medicina, a de uma forma de câncer da mama cujas células devoram o tecido compondo a forma de uma pinça, mesmo isso aponta para uma direção semelhante[ii]. Quem quer que tenha cunhado esse nome, encontrou a essência da imagem da doença.


No que se refere à gênese do câncer no nível celular, atualmente os pesquisadores são praticamente unânimes em reconhecer que as mutações ocupam o primeiro plano[iii]. A palavra vem do latim e significa modificação. Caso uma célula seja estimulada durante tempo suficiente, pode sofrer modificações drásticas que têm origem no nível do material genético. Os estímulos que preparam esse caminho podem ser os mais variados: mecânicos, químicos ou físicos. Pressão prolongada, o alcatrão dos ciganos ou radiação penetrante são algumas das possibilidades.
As células do tecido correspondente podem conseguir suportar a estimulação continua por muito tempo, mas em algum momento uma delas é superestimulada e degenera. Ela, no mais puro sentido da palavra, modifica seus genes e segue seu próprio caminho que, no entanto, leva na verdade a uma ego-trip. Ela começa algo totalmente novo para suas circunstâncias, dedicando-se ao crescimento e à auto-realização. Um dos nomes médicos para o câncer é neoplasma. Ele expressa esse "novo crescimento". Aquilo que para  corpo representa um perigo de vida é, para a célula martirizada por tanto tempo, um ato de libertação. Agora tudo de pende de o corpo dispor de suficiente estabilidade e poder de defesa para derrotar a insurreição das células. Hoje em dia os pesquisadores partem do principio de que células degeneram com relativa freqüência, mas tornam-se inofensivas graças a um bom sistema de defesa. A fraqueza das defesas do organismo tem portanto um significado decisivo para o surgimento do câncer. De fato, é freqüente encontrar em retrospecto um colapso das defesas justamente na época em que se presume que o tumor tenha surgido. De qualquer maneira, nem sempre é fácil esclarecer esse ponto. A rapidez do desenvolvimento depende na verdade do tipo de tumor, mas por outro lado flutua também em tumores do mesmo tipo, dependendo da situação geral. Muitas vezes, um tumor já existe há anos no momento em que é descoberto, tendo um peso de cerca de um grama e consistindo de milhões de células. Deste ponto de vista, ninguém pode saber com certeza se tem câncer ou não. Nós provavelmente estamos sempre tendo câncer, só que o sistema imunológico continua sendo senhor da situação. Isto também pode ser uma razão para o terror inaudito que o tema câncer infunde.


O comportamento da célula cancerígena mostra uma problemática de crescimento como tema de fundo. Após muita consideração e cautela, a célula decide fazer o contrário. Crescimento caótico e transbordante sem cuidado e sem consideração que não poupa nem territórios estranhos nem a própria base da vida. Em conseqüência, as leis do crescimento saudável são ignoradas. A célula cancerígena se coloca acima das regras de convivência normal dentro da associação de células e, sem pudor, rompe tabus de importância vital. Em lugar de assumir o lugar que lhe foi designado e cumprir com seu dever, ela sai perigosamente dos limites e da espécie. Dedicando-se a uma se]vagem e egocêntrica atividade divisória, ela se divide para todos os lados. A vizinhança e até mesmo as regiões mais afastadas do corpo começam a sentir sua agressão brutal. A ego-trip forma-se devido a uma ênfase excessiva na cabeça das células, esses núcleos superdimensionados, esses centros hidrocefálicos com sua atividade frenética. De fato, tudo tem de acontecer na cabeça da célula cancerígena, toda sua descendência é formada exatamente à sua imagem. Assim, ela é totalmente autárquica e cria seus filhotes sem ajuda externa, virgem por assim dizer. Com essa prole, ela vai de cabeça contra a parede, no mais verdadeiro sentido da palavra. Nem mesmo as membranas basais, os mais importantes muros fronteiriços entre os tecidos, podem resistir às suas agressões.
A célula cancerígena demonstra da mesma maneira crua seu enorme problema de comunicação, reduzindo todas as relações de vizinhança a uma política da cotovelada agressivamente reprimida. Com a energia nascida de sua imaturidade virginal, ela não tem escrúpulos em fazer valer a lei do mais forte e, espremendo seus vizinhos mais frágeis contra a parede, ela os destrói ou os transforma em escravos. Ela sacrifica o acesso ao padrão das estruturas adultas em favor da independência. Ela desistiu da comunicação com o campo de desenvolvimento para o qual unha sido destinada em favor do egoísmo e de reivindicações de onipotência e imortalidade. O problema de comunicação ganha expressão simbólica na respiração celular destruída, já que a respiração representa o inter-câmbio e o contato.



A imagem delineada até agora parece fazer justiça somente a uma pequena parte dos pacientes de câncer pois estes, de uma maneira geral, apresentam um padrão de comportamento que parece antes o contrário. Isso se deve a que o padrão reprimido do câncer quase sempre, por um lado, compensa, e por outro descreve tais perfis de personalidade na época anterior ao surgimento do sintoma. Mas nesta fase o corpo também apresenta uma imagem muito diferente. É o estágio da excitação contínua, que os tecidos e suas células toleram sem reagir. Elas tentam se proteger e erguer barreiras na medida do possível para, através da imobilidade, sobreviver, ou seja, suportar a desagradável situação. Caso uma célula experimente rebelar-se contra a estimulação prolongada e tente seguir seu próprio caminho, degenerando, saindo da espécie, essa insurreição é imediatamente reprimida pelo sistema imunológico.
Neste padrão, que corresponde à primeira fase da doença, fica caracterizada a personalidade típica do câncer. São pessoas extremamente adaptadas que tentam viver da maneira mais despercebida possível, adequando-se às normas e jamais incomodando alguém com as próprias exigências. Elas em grande medida ignoram os desafios para crescer espiritualmente e para o desenvolvimento anímico, já que de maneira alguma querem se expor. Sua vida é pouco estimulante em um duplo sentido: por um lado elas evitam, sempre que possível, experiências novas que poderiam movimentar sua vida, já que mal se atrevem a aproximar-se de suas fronteiras. Elas tratam de ignorar os poucos estímulos que rompem sua couraça defensiva. A repressão das possibilidades de experiências-limite reflete-se imperceptivelmente na interrupção da atividade defensiva do corpo, que mantêm tudo seguramente sob controle. Experiências que ultrapassam os limites ou simplesmente alguma inofensiva pulada de cerca são sufocadas ainda em gérmen para, a qualquer preço, manter a situação costumeira como sempre.
O degrau seguinte da escalada mostra como esse preço pode ser alto: é quando a corrente de impulsos de crescimento estancada durante anos rompe o dique da repressão e goza descontroladamente a vida até o esgotamento. Após o rompimento do dique, não há nem volta nem parada. O corpo lança-se àquele outro extremo que até então tinha reprimido abnegadamente. Freqüentemente o fenômeno da repressão mostra-se tanto na história anímica da vida como na história das doenças do corpo. Não é raro encontrar as chamadas anamneses vazias, ou seja, que o afetado não apresentava o menor sintoma anos e até décadas antes do surgimento do câncer. O que à primeira vista parece uma saúde imaculada, revela-se como rigorosa repressão a um olhar mais atento. Não somente os desvios anímicos da norma, os desvios corporais também foram totalmente reprimidos. Nesse contexto, o psico-oncologista Wolf Büntig fala de "normopatia" quando o ater-se rígida e inflexivelmente às normas transforma-se em doença. O que poderia parecer como contenção simpática ou nobre, pode ser na verdade repressão de impulsos vitais e, em última instância, vida não vivida. Assim como a célula sob estimulação forte e constante faz tudo o que pode para continuar desempenhando seu dever como célula do intestino ou do pulmão, os pacientes também tentam perseverar no cumprimento satisfatório de seus deveres como filha, filho, mãe, pai, subordinado, etc., em detrimento de suas necessidades individuais. O próprio desenvolvimento deve ficar para trás, como acontece com a célula martirizada.
De maneira correspondente, a tendência fundamental dessa vida "não vivida" é também reprimida. Muitas vezes o afetado não tem consciência de sua disposição depressiva latente, da mesma maneira como não é consciente da repressão das tentativas de insurreição do corpo. O meio ambiente não percebe nada, já que ele não mostra nenhuma inclinação a participar disso, demonstrando menos ainda qualquer disposição a realmente compartilhar sua vida com outros. É somente quando o dique é rompido e a vida reprimida irrompe que a disposição de participar vem à língua de maneira livre e veemente.
Na fase do surgimento do sintoma, os afetados já são de fato "pacientes", eles são sofredores assombrosamente pacientes. Independentes em grande medida do meio que os cerca e em prol das boas relações de vizinhança, eles o tempo todo dão mostras de amigável consideração. Além disso, eles são pessoas confiáveis com quem se pode contar, embora estejam repelindo os impulsos de mudança ainda em gérmen. Em seu esforço para não incomodar e não ser um fardo para ninguém, não é difícil para os pacientes fazer amigos. Mas isso impede que se formem amizades profundas, já que eles não conhecem nem a si mesmos em sua individualidade e não podem nem mesmo mostrar-se realmente. Como eles não apóiam a si mesmos, parece fácil aos outros estar a seu lado. Então, quando no decorrer da doença aparecem traços de caráter mais profundos, porque eles co meçam a afirmar sua própria vida, não é fácil nem para os pacientes nem para o meio circundante aceitar essas facetas totalmente inesperadas. Os pacientes normopatas têm freqüentemente a seu redor pessoas que estão em dívida para com eles. Como eles sempre se esforçaram para fazer tudo direito e deixaram para trás o próprio crescimento, pessoas com uma ressonância correspondente passam a estar agora a seu lado.
O comportamento social dos pacientes pode ser descrito exemplarmente a partir do componente social a que chamamos "maioria silenciosa", à qual eles mesmos pertencem muitas vezes. Com razão eles se consideram pilares da sociedade. Entretanto, por trás dessa fachada de ordem modelar espreitam todas aquelas características contrárias que se tomam evidentes no nível substituto, no corpo, quando o segundo estágio do surgimento do câncer se instaura. O que jamais foi ventilado na consciência encontra agora seu palco, um palco onde acontecem sobretudo dramas, ou seja, “jogos de sombra".
Os impulsos de mudança que foram repelidos ao longo dos anos se estendem pelo corpo sob a forma de mutações. Esquece-se o que se faz ou se deixa de fazer, agora a única coisa que interessa é a própria ego-trip. A perfeita adaptação social transforma-se em parasitismo egoísta que não respeita nem a tradição nem os direitos alheios. E se antes a pessoa não se permitiu uma única opinião própria, emerge agora das sombras a longamente reprimida pretensão de dar forma a todo o mundo (corpo) segundo a própria imagem. O organismo é saturado de filiae, as filhas portadoras da morte. A sementeira anímica retida por longo tempo emerge agora corporalmente em tempo recorde e mostra como era forte o desejo até então não vivido de auto-realização e de imposição dos próprios interesses.
A erupção do sintoma pode tomar visível uma grande parte das reivindicações reprimidas do ego, em contraste com o comportamento do paciente. Quando esses componentes sombrios saem à superfície, é principalmente o meio circundante que fica admirado. Pessoas até então pacatas exigem repentinamente que tudo gire em turno delas e de "sua doença". Tendo o diagnóstico como álibi, elas agora se atrevem a virar a mesa e deixar que os outros dancem segundo sua música. A contenção e, literalmente, o compasso podem agora ser atirados sobre a amurada para serem substituídos por sons totalmente novos. Pessoas idealmente adaptadas repentinamente saem da raia e pulam a cerca. Por mais desagradável que tal atitude possa ser para o meio circundante, há nisso uma grande oportunidade para o afetado. Caso a partir de agora os princípios de transformação, de auto-realização e de consecução passem a ser vividos no plano anímico-espiritual e se tornem visíveis no nível social, o plano corporal é aliviado. Entretanto, muitos pacientes foram tão longe no papel de cumpridor das normas que chegam a manter o papel de mártir mesmo em face da morte. Sem o alívio do plano anímico, o princípio do ego permanece voltado exclusivamente para o palco do corpo. As chances de acabar com o câncer são muito melhores quando toda a pessoa admite o confronto e não envia unicamente o corpo como seu representante na batalha. Para acabar realmente com algo, é necessário primeiro admiti-lo.
Após a primeira fase de contenção e a subseqüente erupção do câncer, fase que muitas vezes dura décadas, confronta o paciente a última etapa, de caquexia, com um terceiro padrão. O como se entrega à devoração de suas energias pelo câncer. No sentido mais verdadeiro da palavra, ele se deixa devorar sem oferecer resistência. A devoção e a entrega ao curso do destino são vividos substitutivamente pelo corpo. Ao final, todo paciente vivencia este tema. conscientemente, quando consegue trazer a temática de volta ao nível espiritual, ou inconscientemente caso o corpo seja abandonado em sua atitude de entrega e o paciente continue lutando contra o inevitável. Parece haver aqui uma contradição, já que imputamos ao afetado o fato de ele não lutar o suficiente, deixando-se conduzir pela vontade dos outros. Neste ponto há um encontro de dois planos, dos quais nos ocuparemos no próximo capitulo. Por um lado, o paciente de fato luta muito pouco, por outro lado ele luta em demasia. Em relação a seu ambiente, que o degrada a determinadas funções, ele decididamente luta pouco. Para isso ele se defende tanto mais de suas tarefas vitais, seu caminho e seu destino. Ele poderia abandonar essa resistência com toda a confiança. Em qualquer caso, seu sintoma o força a isso, pois tanto vencendo o câncer como sendo vencido por ele, a fase de rendição ocorrerá[iv].



[i] No entretempo, sabe-se ao menos de um carcinoma de retina que foi herdado. Caso um recém-nascido o tenha recebido dos dois progenitores, ele o herdará com certeza. Caso o recém-nascido tenha herdado o "gene do câncer" de apenas um dos pais, o desenvolvimento da doença dependerá das influências do ambiente. O risco então é maior, mas não obrigatório.
[ii] De qualquer forma, aqui seria o caso de pensar que o nome câncer é mais antigo que o microscópio; somente a partir desse momento as células em forma de tesoura do câncer de mama poderiam ter sido descobertas.
[iii] Em algumas formas de leucemia, entretanto, acredita-se mais em uma origem ligada aos vírus.
[iv] Ver a esse respeito as publicações de Elisabeth Kübler-Ross.



Dos diagnósticos e sintomas mencionados, o câncer representa um processo de crescimento e regressão mergulhado no corpo. A estes dois soma-se ainda um terceiro componente, a defesa. A situação básica do câncer pode criar-se ao longo dos anos sem chegar à formação de um tumor. A medicina, e principalmente a medicina natural, conhecem essa situação a chamam de pré-cancerosa. Os pressupostos anímicos descritos podem estar presentes há muito tempo, assim como os pressupostos físicos sob a forma dos estados carcinogênicos e de estimulação correspondentes, e ainda assim o câncer pode ser disparado somente após a ocorrência de determinados estímulos. Até então, é como se ele estivesse preso e subjugado por um sistema imunológico dominador. Somente o colapso das defesas do corpo lhe dá uma chance de formar um tumor primário. O colapso do sistema de defesa é detectado por muitos pacientes, sendo caracterizado retrospectivamente como uma época de estados de tensão e de angústia.
A estreita relação entre o câncer e o sistema imunológico é mostrada ainda pelo fato de o câncer utilizar o sistema de defesa que na verdade deveria combatê-lo para espalhar-se. Ele é atacado e expulso dos gânglios linfáticos pelos linfócitos e utiliza os canais linfáticos para seguir adiante. Os gânglios linfáticos são lugares favoritos para o ataque. Ocupando as casernas do equipamento militar do corpo e avançando por suas estradas, o câncer demonstra como seu ataque é corajoso e que está disposto a ousar tudo em um confronto total. Por outro lado, lá mostra-se também a fraqueza da defesa. Ela está literalmente de mãos atadas. O câncer consegue ficar em tal situação graças a uma camuflagem perfeita. Assim como está em posição de desativar os “genes alterados" de suas células, o câncer consegue também deixar sem energia o sistema que permite reconhecer as células desde o exterior. Por trás dessa camuflagem, as células cancerígenas podem metem-se diretamente na cova do leão, no centro de defesa, sem serem reconhecidas e, sobretudo, impunemente. E neste ponto que existe a chance de uma terapia médico-biológica no nível funcional. Quando se consegue desarmar as células cancerígenas imunologicamente, elas passam a correr grande perigo.
A questão do que, em um nível mais profundo, leva ao não-funcionamento do sistema de defesa e à correspondente situação de humilhação, pode ser respondida de maneira geral e não se limita ao processo cancerígeno. O fenômeno aparece em cada resfriado: assim que uma pessoa está até o nariz e se fecha animicamente, o corpo, substitutivamente, abre-se aos agentes irritantes correspondentes e o nariz concreto se fecha. Expresso medicamente, uma fraqueza das defesas deixa o afetado suscetível. Quando a consciência se fecha para os temas irritantes, o corpo precisa se abrir substitutivamente para os irritantes correspondentes. A defesa imunológica toma-se então cada vez mais fraca na medida em que a defesa no nível da consciência é exagerada.
Fundamentalmente, o ser humano está equipado com uma defesa saudável em ambos os níveis. Evidentemente, frente a um mundo estranho cheio de perigos, é importante proteger as fronteiras do corpo com a ajuda de um sistema imunológico vital. Nós precisamos igualmente de uma certa defesa anímica, para não sermos inundados por impressões demasiado fortes que nos fariam cair na psicose. O objetivo, em ambos os níveis, é o ponto médio entre a abertura total e o fechamento[iv] absoluto. Caso se vá longe demais em um dos níveis, o outro é desequilibrado na direção contrária. Quem se fecha demais na consciência, sendo portanto demasiado avesso aos conflitos, força a abertura para as sombras, e ela então emerge no corpo sob a forma de suscetibilidade aos agentes patológicos.
O estado ideal caracteriza-se por uma ampla abertura anímica assentada sobre uma base de força. Pode-se deixar entrar tudo o que se imagine sem precisar temer pela própria saúde anímica. Isso é possível sobre a base de uma defesa potencialmente forte, que além disso não entra em ação praticamente nunca. Caso isso seja necessário, seu proprietário pode confiar em seu poder de penetração. Justamente porque pode dizer não de maneira decidida e assim proteger seu espaço vital, ele raramente a necessita. A defesa que lhe corresponde, graças a seu bom treinamento, elimina qualquer agente patológico e está à altura de qualquer exigência. Exatamente por não ser poupada, confrontando-se com muitos desafios em uma vida corajosa, ela está sempre pronta para a luta e segura da vitória. A principal razão de ela não correr o ris o de sucumbir aos agentes patológicos deve-se a que ela não é enfraquecida pelo plano anímico. Quem se deixa atacar na consciência e se defende lá mesmo, não precisa empurrar o tema para o corpo.
O fechamento exagerado na consciência e a conseqüente abertura grande demais no corpo é muito mais freqüente em um mundo que obtém a maior parte de sua cultura e de sua civilidade evitando os conflitos. Quando o não-poder-dizer-não que evita os conflitos mergulha no corpo, volta a tornar-se visível sob a forma de incapacidade de limitar-se. A experiência de vida cotidiana confirma este principio. Uma pessoa que enfrenta a vida abertamente (vital) dispõe de uma defesa corporal saudável, sendo portanto menos propensa a infecções. Uma pessoa estreita, medrosa, "pegará" mais agentes patológicos e cultivará os resfriados correspondentes mais freqüentemente devido a seu mal equipamento de defesa. Ao contrário, uma pessoa entusiasmada, que se inflama com um tema, praticamente não pode se resfriar, não em uma situação tão aberta. Todos tiveram a experiência de uma coriza fulminante que desaparece por si mesma após a pessoa passar duas horas assistindo com entusiasmo um filme de suspense. Somente ao final do filme, quando se lembra que o nariz estava escorrendo, é que o nariz volta a se encher.
É necessário que o bloqueio e o fechamento sejam muito profundos para que o colapso da defesa seja tão completo a ponto de permitir o surgimento de um tumor. Tais constelações afloram quando uma pessoa não se abre mais para um aspecto essencial de sua vida. Caso esse contato já esteja por um fio e este se rompa bruscamente, é como se o fio da vida se rompesse. Caso uma pessoa depressiva que praticamente não se comunica mais como meio circundante perca a única pessoa com quem se relaciona, isso pode realmente acontecer. Como não participa mais do fluxo da vida sem essa pessoa, ela pode se recusar a aceitar uma perda tão despropositada. Sua defesa anímica aumenta na mesma medida em que ela fecha sua consciência para a perda e a defesa corporal entra em colapso. Assim, o sistema imunológico passa a ser um anúncio de abertura e vitalidade.
Em pacientes que sofrem algum tipo de depressão, tudo o que torna real essa situação tão volátil pode levar a um enfraquecimento decisivo do sistema imunológico. A demissão de um emprego que tinha se transformado no próprio conteúdo da vida pode bastar, ou uma decepção definitiva com um sócio após anos de engano. Partindo de seu padrão interno, o típico paciente de câncer costuma se envolver em tais situações. Sei ser adaptado e, além disso, oprimido, volta uma e outra vez a se colocar sob pressão para arriscar uma nova tentativa de revivificação. Cada uma dessas tentativa pode tomar real a sensação de absurdo mantida sob controle a tão duras penas, e um novo fechamento repentino pode desencadear a erupção da doença. Os pacientes de câncer que têm êxito também encontram inúmeras possibilidades para fechar-se à energia da vida. Qualquer coisa que coloque em questão a máscara de sua depressão, o sucesso, está apta para isso.


A célula cancerígena quer tomar todo o mundo (corpo) de assalto e fazer tudo à sua maneira. É por essa razão que ela penetra em toda parte, enviando seus agressivos "missionários" até os recantos mais afastados do país (corpo). A medicina as chama de filiae (latim: filhas) ou metástases. Esta última palavra é grega e quer dizer transformação, transplante ou migração. A pretensão de poder "meter-se” até mesmo nas partes mais afastadas do corpo está feita sob medida para a célula embrionária, que em sua indiferenciação ainda traz em si todas as possibilidades. No entanto, desenvolvimento significa, entre outras coisas, limitação e especialização. A célula cancerígena superou ou perdeu de vista a ambas.
A comparação do comportamento adulto e infantil revela a imaturidade de tal postura. A criança ainda tem o direito de ver-se em todas as profissões e todas as formas de vida e de acreditar que seu papai, sendo um aumento de seu próprio eu, pode tudo. Ela pode sonhar que viaja por todo o mundo sem precisar preocupar-se com questões concretas tais como a obtenção dos meios necessários. Sua reivindicação de brincar em todos os brinquedos do playground e, além disso, participar de todos os jogos pode irritar os pais, mas não chega a ser um problema nessa fase. Um adulto que fizesse essas exigências, ao contrário, chegaria rapidamente a um impasse com o meio circundante, deixando apenas duas alternativas: ou ele ou o meio circundante. Ele é convencido ou obrigado pelo meio a adaptar-se a suas exigências, o que o força a uma espécie de amadurecimento precoce, que corresponde à tentativa de ressocialização no cumprimento das penas, ou então ele é confinado definitivamente.
A segunda possibilidade, a de que essa pessoa prevaleça sobre seu meio e imponha sua vontade, é mais rara. No plano anímico-espiritual, as tentativas correspondentes são consideradas megalomania, quase sempre subjugadas e confinadas "com êxito" em uma instituição psiquiátrica. E relativamente raro que um "louco" consiga realmente tomar o poder. No âmbito político, as tentativas correspondentes são combatidas como terrorismo e quase sempre submetidas por meio da violência, e só muito raramente através do poder de persuasão. Os terroristas chamam a si mesmos de revolucionários, às vezes também falam de células revolucionárias, mas para o estado afetado são considerados criminosos que não devem esperar nem demência nem consideração. Caso vençam, seu poder será respeitado, pois eles serão os novos senhores do pais.
No âmbito econômico, os representantes da atitude correspondente são aplaudidos desde o inicio, já que o câncer evidencia a atitude que faz o êxito empresarial. O empreendedor típico da primeira fase do capitalismo ultrapassa as fronteiras estabelecidas e ataca a concorrência sem compaixão, expulsando-a da área, já que com o poder de seus cotovelos pressiona-a contra a parede e a tira do negócio, mina o seu terreno ou pelo menos se infiltra em seus mercados. Em lugar de metástases, sucursais, filiae tornam-se aqui filiais, empresas afiliadas são fundadas. No principio a matriz, como o tumor correspondente, cresce para além de si mesma, então ela se infiltra na vizinhança para finalmente tornar-se ativa por todo o pais e, idealmente, no mundo todo. Estar presente em toda parte e ter tudo sob controle. Este é o credo do capitalismo e o comportamento tradicional das grandes empresas. Evidentemente, procede-se de maneira agressiva e desconsiderada.
As metástases do câncer e as sucursais das empresas têm objetivos análogos. Elas se esforçam para colocar o máximo possível de seu próprio programa sem dar a menor chance às forças locais. O modelo ideal do câncer toma-se explícito no mapa-múndi em um escritório empresarial. Um grosso círculo vermelho no meio assinala a localização da empresa matriz, que se infiltra nas regiões circundantes com pequenas filiais marcadas também em vermelho, porém menores. Estas metástases diminuem em número à medida em que nos aproximamos da periferia. Alguns países ainda estão livres, enquanto em outros há grandes colônias que por sua vez disseminam filiais a seu redor. Os mapas assinalados dessa maneira são assombrosamente semelhantes às imagens de corpos tomados pelo câncer obtidas por procedimentos de diagnóstico tais como a cintilografia.
Há um outro paralelo ao acontecimento cancerígeno, menos carregado de emoção porque já superado pela história, que é o do colonialismo. A formação de colônias fora do próprio pais, considerada do ponto de vista de cada império, era uma estratégia cancerígena. Na medida do possível, querer-se-ia colocar o mundo inteiro sob a própria influência e eles. de forma alguma sentiam-se constrangidos em invadir violentamente as fronteiras e atacar brutalmente culturas em sua maioria intactas, somente que menos agressivas. As condições de vida não eram nem respeitadas nem poupadas, e as pessoas que se encontrava eram declaradas minorias e escravizadas. Cada império estava de tal maneira convencido da própria megalomania a ponto de querer lançar em todo o mundo grandes ou pequenas edições da Inglaterra, da Espanha, de Portugal, da França ou da Alemanha. Somente os outros impérios, igualmente canceromorfos, colocavam limites a seu crescimento invasivo. Tal como seu pendant anatômico, os remos coloniais freqüentemente tinham problemas de abastecimento, mas tratava-se sobretudo de expansão, e muito menos da falta de infra-estrutura necessária para tal. Assim como nos tumores, pode-se encontrar nos restos, digamos, do império colonial português, uma notável carência de infra-estrutura. Com essa espécie de crescimento indiferenciado, muito veio abaixo tanto nas colônias metastáticas como na matriz das numerosas filhas malvadas. Em um determinado momento, tumores matrizes minúsculos tais como Portugal ou a Inglaterra tinham pendentes de si impérios gigantescos, que continuavam a se expandir e a consumir energia. A Inglaterra aproximou-se especialmente da imagem do câncer com suas colônias totalmente emancipadas do “tumor matriz" (EUA, Canadá, Austrália, Rodésia ou África do Sul). A história da época colonial deixa claro que, no que se refere aos tumores nacionais, tratava-se muito mais de expansão e ostentação de poder que de comércio e intercambio. De maneira semelhante a cabeças hidrocefálicas, administrações coloniais infladas parasitavam países economicamente indigentes cuja estrutura própria tinha sido saqueada, apoiando-se nas costas de "primitivos" escravizados cujo caráter certamente jamais atingiu o grau de primitivismo daqueles que os colonizavam. As células cancerígenas, com seus núcleos superdimensionados exibem, em relação a seu entorno, um excesso de primitivismo semelhante.
O padrão do câncer não confirma o de nosso mundo apenas em grandes traços, podendo ser seguido em detalhe para aqueles que têm olhos para vê-lo. O crescimento das grandes cidades modernas oferece uma imagem explícita de ânsia de expansão de tipo canceromorfo. As fotos bradas por satélites mostram como elas devoram e ulceram a paisagem circundante. Tal como um tumor canceroso, elas confiam no crescimento desalojador e infiltrante, enquanto ao mesmo tempo emissários isolados são enviados sob a forma de cidades-satélites, cidades-dormitório, zonas industriais e outras atividades metastáticas.
Quando se considera a Terra como um todo, a maneira como por toda parte ela é cancerigenamente devorada, saqueada impiedosamente e privada de sua capacidade de reação, a imagem corresponde àquela de um corpo que sucumbiu ao câncer. Quanto à avaliação do estágio em que ela se encontra, se ainda pode lutar para defender-se ou se já está em estado terminal, os economistas, biólogos, teólogos e outros “istas" e "ólogos" não chegaram a um acordo. O correspondente estado de resignação do corpo frente à energia vital juvenil do câncer chama-se caquexia. Ele se entrega à consumação, demonstrando em sua atitude de entrega que está aberto para passar ao outro mundo. Como a nossa Terra continua tentando regenerar-se e se defende energicamente do pululante gênero humano, ainda há esperança para ela.
Mas não somente os princípios de nossa maneira de pensar no que se refere à Terra assemelham-se àqueles da célula cancerígena, nós compartilhamos também um lapso decisivo, ou seja, não medimos as conseqüências de nosso comportamento: a morte de todo o organismo implica inevitavelmente na morte de todas as suas células, inclusive as células do câncer. Somente o começo de todo o empreendimento é promissor para as células do câncer. Elas conseguem liberar-se de seu ambiente e aproximar-se do ideal de autarquia, onipotência e onipresença. Tal como um organismo unicelular, que depende unicamente de si mesmo, concentrando todas as funções em um único corpo, elas se transformam em um guerreiro solitário praticamente independente em meio à comunidade celular. Elas trocam suas habilidades altamente especializadas pela imortalidade potencial, tal como possui o organismo unicelular. Os organismos unicelulares e as células cancerígenas permanecem vivos enquanto há alimento suficiente. Todas as outras células organizadas estão ligadas a uma expectativa de vida natural, estabelecida em seu material genético. As células do câncer desativaram essa limitação e não mostram nenhuma tendência ao envelhecimento, como o demonstra um experimento macabro. As células de um tumor cujo proprietário morreu nos anos 20, justamente devido a esse tumor, vivem e se dividem até hoje em uma solução nutriente sem mostrar qualquer sinal de envelhecimento ou cansaço. O fato de as células cancerígenas normalmente morrerem logo apôs a morte de seu hospedeiro deve-se ao esgotamento do suprimento de alimento e energia. Enquanto o organismo unicelular realmente perdura independente e imortal em seu mundo aquático de superabundância, a célula cancerígena não percebe que é apenas potencialmente imortal e já não pode tornar-se independente. Exatamente como o ser humano no mundo, seu destino estará sempre ligado ao corpo em que vive.
A caricatura de nossos ideais representada pelo câncer deixa claro que nosso planeta já atingiu a fase de erupção da doença. Mais decepcionante ainda, no entanto, é o incômodo conhecimento de que nós mesmos somos o câncer da Terra. Do mesmo modo, o crescimento de nossa ciência é tão demente como o do câncer. Os índices de crescimento são enormes, mas o empreendimento não tem nenhum objetivo que possa ser alcançado. O objetivo do progresso é mais progresso e assim, por principio, caminha rumo ao futuro e para fora de nosso alcance. O câncer também tem um objetivo pouco realista. Este se encontra em sua sombra e é a ruína do organismo. Se fôssemos mais honestos, teríamos de admitir que o objetivo final de nosso progresso é igualmente a ruína do organismo Terra. Bastaria que os piedosos desejos dos políticos se tomassem realidade e os paises em desenvolvimento saíssem do atraso tecnológico em que se encontram para que a já ameaçada ecologia deste planeta recebesse um golpe mortal. Em todo caso, pode-se ficar tranqüilo em relação a isso, já que esses desejos não são levados com muita seriedade. Entretanto, aqueles desejos que insistem em um progresso linear para nossa parte do mundo o são totalmente, e eles têm algo de degenerado, já que colocam a espécie em risco. Sem a consciência de nossa origem na natureza e sem ter um objetivo no âmbito espiritual, corremos o perigo de nos tornarmos um câncer que não pode mais ser controlado. Nós já preenchemos todos os pré-requisitos necessários para tal.
Quando essa doença maligna mostra sua face terrível, nos assustamos porque reconhecemos a nós mesmos. Não queremos ver-nos de maneira tão honesta, recusamos um espelho tão nítido. A humanidade tem isso em comum com todos os pacientes.




Com base em nossa perplexidade por um lado, e nossa valoração por outro, é difícil ver ainda uma (dis)solução na representação do câncer. Como comunidade, temos muito medo das nossas próprias forças e das energias que estão adormecidas em nós. Amparados por inúmeros álibis sociais, nós as empurramos para a sombra. Embora a sociedade tenha estilizado a livre manifestação do individuo e a livre empresa como sendo o objetivo máximo a ser atingido, a maioria de seus membros individuais é atormentada por medos e angústias consideráveis no que a isso se refere. Os índices de crescimento anímico-espiritual continuam sendo muito mais baixos que os índices de crescimento científico. A longo prazo, nosso grandioso produto nacional bruto não pode compensar a falta de crescimento interior. Com o apoio da sociedade, mas por iniciativa própria, muitas pessoas conseguem bloquear a manifestação de seu eu, encaixando-se em estruturas predeterminadas com facilidade ou, muitas vezes também à força. Gratificações ex-ternas aliviam a renúncia ao desenvolvimento da individualidade e promovem a massificação da pessoa. Apenas um pequeno passo separa o indivíduo massificado do "normopata".
Como a auto-realização é parte do caminho de desenvolvimento do ser humano, ela não pode ser eliminada do mundo, podendo no máximo ser posta de lado. Quando empurrada para o lado, ela aterrissa na sombra. Esta tem duas possibilidades de expressão no mundo material: o mundo corporal interior (microcosmos) e o mundo (meio ambiente) exterior (macrocosmos). Conseqüentemente, o caminho dos processos de crescimento reprimidos vai da consciência para o mundo de sombras do inconsciente, e dali para o plano corporal ou para o mundo exterior. Como o princípio é conservado a cada passo e precisa adaptar suas possibilidades de expressão ao plano em que se manifesta, ele pode ser encontrado por toda parte, seja em sua manifestação redimida ou em sua forma não-redimida. Quanto mais ele é reprimido, menos redimido ele se apresenta, mas mesmo sob a forma menos redimida deve ser possível vislumbrar ainda o plano redimido.
Nós em geral consideramos o plano material como não-redimido, e o plano anímico-espiritual como redimido. No acontecimento do câncer, nós consideramos maligno aquilo que em sentido figurado nos parece totalmente desejável: o princípio de expansão. O câncer ultrapassa todas as fronteiras e obstáculos, estende-se por tudo, penetra em tudo, participa de tudo, une-se a tudo, até a estruturas alheias, não se detém diante de nada, não pode ser detido por praticamente nada, é quase imortal e não teme nem mesmo a morte. O câncer é a expansão que mergulhou nas sombras (do corpo). Conseqüentemente, trata-se de expandir a consciência, de descobrir a infinitude e a imortalidade da alma. Não deveríamos nos admirar que o principio mais elevado apareça por intermédio do mais maligno de todos os sintomas. A sombra mais escura sempre emite a luz mais brilhante. Com a auto-realização, no câncer, o que mergulhou nas sombras é o tema que procura atingir o objetivo final de todo desenvolvimento: o"si mesmo”.
Embora o meio seja o objetivo final, no início do caminho é necessário confiar em si mesmo e ir para os extremos. Quando Cristo diz: "Seja quente ou frio, o morno eu cuspirei", ele está falando sobre uma etapa do caminho. É o meio como compromisso podre que deve ser abandonado. Aqui está a tarefa mais difícil do aprendizado do paciente de câncer. Nesse sentido, o tranqüilo meio-termo no qual o normopata se acomodou não é de forma alguma um lugar definitivo. Em lugar da harmonia do meio, o que impera é uma harmonia aparente. As ("malignas") energias do ego não são visíveis, mas sua vida nas sombras é tanto mais intensa. O normopata jamais ferirá alguém com um não egoísta e descompromissado, mas tampouco fará alguém feliz com um sim incondicional. Ele se desculpa permanentemente por sua existência, mas não se livra da culpa primordial (a separação da unidade). Para ele, a aparência é mais importante que o ser. Entretanto, trata-se em última instância do ser, e ele portanto não encontra a paz final no cômodo meio, um caminho to longo do qual ele encontra pouquíssima resistência, ou seja, a paz que ele p de encontrar aqui não é realmente a paz definitiva.
A primeiríssima coisa que ele deve fazer é começar a se mover, a crescer, a se transformar e a se desenvolver. Faz parte, também, aprender a dizer não, detectar e viver seus desejos egoístas, experimentar rebelar-se contra regras rígidas, escapar de estruturas demasiado estreitas, chegar perto e perto demais dos outros, pular fronteiras, ignorar limitações, viver todas as coisas que, caso contrário, ocorrem nas sombras como acontecimento cancerígeno. Em vez de mutações no nível celular, poderia haver metamorfoses nos âmbitos anímico, espiritual e social; em vez de sair da espécie (degenerar), ele poderia pular a cerca (demasiado opressora). Trata-se de travar conhecimento com o próprio ego, ainda, e principalmente, quando ele não é um destacado contemporâneo e, por essa razão, não traz muita distinção ao meio circundante. Em vez de sair da espécie, trata-se de encontrar a própria espécie. Em vez de separação, o que se procura é continuidade e responsabilidade por si mesmo.
A orientação terapêutica do radiologista americano Carl Simonton vai nessa direção de uma maneira muito corporal. Simonton, com bastante sucesso, deixa que seus pacientes entrem diariamente em uma guerra múltipla. Em meditações dirigidas, eles combatem o câncer no nível celular com sua agressividade que acaba de ser redescoberta. O sistema imunológico é apoiado em sua luta pela existência com imagens internas e fantasias criadas pela imaginação, e assim a agressão tão longamente reprimida assa a ser vivida. À primeira vista, mas somente à primeira vista, o conselho de combater o câncer a todo custo parece estar em contradição com o princípio homeopático. Com o agressivo câncer, é justamente a agressão que é homeopática pois trata-se de um remédio semelhante.
Embora estas primeiras etapas do despertar para as próprias necessidades seja também muito importante e não possa ser substituída, o caminho não pára ai. O “seja quente ou frio..." cristão é inevitável, mas o desenvolvimento continua, e então, finalmente trata-se de: "Se alguém golpeia sua face esquerda, oferece-lhe a direita". Essas duas frases contraditórias já criaram muita perplexidade, porque se referem a diferentes etapas do caminho. É justamente neste ponto que é perigoso continuar a escrever, pois segundo tidas as experiências, justamente aqueles pacientes que ainda têm de lidar muito e por muito tempo com os passos descritos até agora, de asserção agressiva de si mesmos, tendem a refugiar-se rapidamente nos "planos mais elevados". Por trás disso está a suposição equivocada de que a realização de um tema tão sublime como o amor levará facilmente à libertação do ego, juntamente com suas energias agressivas. Mas quando se salta ou se abandona com demasiada rapidez um plano anterior, o plano seguinte não tem a menor chance. Não se ganha nada se alguém "morno", por pura covardia, oferece a face direita após lhe terem golpeado a esquerda. O amor então se transformará em um sentimento morno, e a salvação em hipocrisia. Um paciente de câncer não pode se dar ao luxo de cometer tais erros, dos quais a ladainha de "luz e amor da cena new age se aproxima muito.
Apesar do perigo de se incorrer em mal-entendidos, é necessário já ter em vista um objetivo, ainda que esteja muito distante. Mas os passos e tarefas seguintes pressupõem o domínio dos passos anteriores, pois caso contrário eles se trans-formam facilmente em um bumerangue, tal como demonstraram as experiências com o capitulo sobre câncer do primeiro volume.
Por mais importante que seja a exibição das energias do ego durante o percurso, ela não pode ser o objetivo final. O caminho a seguir e o seu objetivo estão sempre implícitos no próprio acontecimento cancerígeno. Em vez de crescimento corporal, trata-se de crescimento anímico-espiritual. O ser humano cresce fisicamente durante cerca de vinte anos; depois disso ele precisa continuar crescendo anímica e espiritualmente, ou então o crescimento afunda na sombra. Esse crescimento pode se dar no mundo exterior durante muito tempo, podendo, por exemplo, aproveitar as possibilidades correspondentes de um negócio em expansão. Mas em algum momento ele terá por objetivo a auto-realização em um sentido mais elevado. Em última instância, trata-se de tornar-se um com o todo, retornar ao Paraíso, ou seja, deixar que o eu e as sombras aflorem no self. Esse estado, que recebe tantos nomes diferentes em diferentes culturas e que mesmo assim quer dizer sempre a mesma coisa, não pode ser representado com exatidão a partir do mundo da polaridade. Palavras como eternidade, nirvana, reino dos céus, reino de Deus, paraíso, ser ou meio são somente aproximações. O problema, não só dos pacientes de câncer mas de todos os seres humanos, são os passos que levam a esse objetivo e à sua seqüência.
A regressão retratada pelo processo cancerígeno, que corporaliza a busca da origem, indica o caminho. Em vez de regressão no corpo, trata-se de religio no âmbito anímico-espiritual. O crescimento degenerado e caótico em todas as direções mostra o perigo, que o progresso sem objetivo termina na morte. Morrer, também, que paira ameaçadoramente sobre o acontecimento cancerígeno, é uma forma de retirada do mundo polar para a unidade. Todas as indicações apontam para um único ponto, a unidade. Mas isso não pode ser realizado com as forças do ego. Assim como é importante para o paciente descobrir seu ego, mais tarde será igualmente importante crescer para além dele. Depois que ele tiver aprendido a se impor, chega-se ao pólo oposto do plano de aprendizado: aprender a inserir-se na unidade maior. Primeiro pode ser importante protestar contra as regras estritas da vida laboral ou social, reconhecer que o próprio chefe não é nenhum deus. Mas quando o ego está desenvolvido e em plena possessão do poder pelo qual lutou, é preciso reconhecer que o caminho do ego leva à catástrofe tanto como sua repressão. Depois que a pequena ordem das regras mesquinhas foi saltada, é preciso encontrar a grande e aceitá-la. “Seja feita a Sua vontade", diz o pai-nosso, e isso não quer dizer, como antes, o superior hierárquico ou o sócio ou o eu, mas Deus, ou seja lá como se queira chamar a unidade.
É neste ponto que está o principal engano do câncer, e ele volta a ser um espelho perfeito do principal engano da humanidade moderna. A célula cancerígena tenta alcançar a imortalidade por si mesma e à custa do resto do corpo. Fazendo isso, ela não vê que esse caminho, em última instância, a matará juntamente com o corpo, assim como a humanidade não viu até agora que sua ego-trip à custa do mundo somente pode terminar com o naufrágio conjunto. Não existe qualquer independência da unidade maior à qual se pertence. As justas ambições de auto-realização e imortalidade somente podem culminar no conhecimento espiritual de que o único objetivo é o si mesmo, a unidade com tudo. Esta não exclui nada nem ninguém, e por si mesma não se deixa conquistar pessoalmente de maneira egoísta. Ela contém tanto a individualidade como a ordem mais elevada. Ela se encontra no próprio meio, no de cada célula e no de cada ser humano e ainda assim é somente o um. Não existe nem o meu self nem o seu self, somente o self.
É preciso encontrar a unidade, a imortalidade da alma em si mesmo, e reconhecer que o todo já esta em nós mesmos assim como nós mesmos estamos no todo. Este, entretanto, é o ponto final. ou melhor, o ponto do meio, que somente pode ser aberto pelo amor. E isso também já está simbolizado no acontecimento do câncer. Assim como o amor, o câncer também ultrapassa todas as fronteiras, cobre todas as distâncias, atravessa todas as barreiras, supera todos os obstáculos assim como o amor ele não se detém diante de nada, estende-se por tudo, penetra em todos os âmbitos da vida, domina toda a vida; assim como o amor, o câncer busca a imortalidade e nessa busca, assim como o amor, não teme nem mesmo a morte. O câncer, portanto, também é de fato um amor que mergulhou nas sombras.





A melhor terapia começa cedo, com a compreensão de que o quadro de normopatia já é um sintoma, ainda que se aproxime do ideal de nossa época. Ao contrário, dai se conclui que esta época sonha um sonho que fomenta o câncer. Os agentes cancerígenos descobertos diariamente, quando comparados a este conhecimento, são inofensivos. Quando se começa a caminhar em direção à individuação já nesses primeiros estágios, poder-se-ia usar de fato a palavra prevenção sem deturpá-la com o sentido usual de diagnóstico precoce[iv]. Nesta etapa, ainda seria possível dar os passos necessários sem demasiada pressão. Quando o diagnóstico já constatou a doença, a pressão é monstruosa. Mas ela pode não apenas oprimir, pode também dar coragem e promover o desenvolvimento. Entretanto, muitos pacientes vivenciam a enunciação do diagnóstico “câncer" como se fosse a decretação de uma sentença de morte. Seu caminho de volta está então na resignação, eles por assim dizer não subscrevem mais esta vida. Alguns falam até mesmo de um certo alívio, pois com isso todas as responsabilidades lhes são retiradas. Outros pacientes tomam o desafio segundo o lema "começar a fazer as coisas certas". O diagnóstico atua para eles como a iniciação para uma nova etapa da vida que deve transcorrer de acordo com outras leis. Aquilo que para o primeiro grupo é o fim de tudo, para eles é o começo. E não é raro que aí esteja o principio de uma nova vida. Segundo a experiência da própria medicina acadêmica, o prognóstico médico exerce muito menos influência sobre a expectativa de vida que a atitude interna. Trata-se decididamente de saber se os afetados ainda esperam algo da vida, pois quando esse é o caso eles também esperam um pouco mais. Ao cumprir seus 12 trabalhos, que correspondem às tarefas arquetípicas do zodíaco, Hércules é mordido por um terrível caranguejo quando está lutando contra a Hidra. Em vez de recuar assustado, ele luta e o aniquila antes de vencer a Hidra.
Após a constatação do diagnóstico, é preciso recortar tantos passos quanto for possível do âmbito das sombras. Aquilo que é sempre mantido e vivenciado na consciência não precisa ser representado no palco do corpo. Um pressuposto para isso é olhar honestamente para a própria situação até chegar à compreensão de que nada acontece por acaso, mas que tudo faz sentido, mesmo em um sintoma tão horrível. O desespero que o diagnóstico "câncer" libera somente pode ser vivenciado com base nesse fundamento. Por duro que isso possa soar, trata-se de algo essencial para que se possa dar outros passos. Uma medicina que oculta o diagnóstico do paciente e lhe mente "para seu próprio bem" pode parecer mais humana. Por outro lado, ela bloqueia todas as chances de desenvolvimento que ainda possam existir.
Entre as possibilidades de retirar do corpo o que na verdade é tarefa da alma, está todo o espectro de imagens às quais o câncer força o organismo, desde saltar a cerca até a agressão mais selvagem, passando pelo crescimento vital. Trata-se de trocar a posição morna pelas alturas e profundezas da própria vida. Toda a criatividade desenfreada que se expressa no acontecimento cancerígeno deve ser levada para o espaço vital consciente, do âmbito corporal para o âmbito anímico-espiritual. As mutações estão à espera, e requerem coragem. Elas têm mais sentido em qualquer outro lugar que não seja o corpo. Enquanto a evolução biológica ocorreu através de mutações corporais, a evolução individual deve ser levada por um caminho de transformações anímico-espirituais. Assim como a célula do câncer faz algo de si mesma, os pacientes devem fazer algo de suas vidas. E é preciso que seja algo próprio - que se aproxime das pretensões autárquicas do câncer. O próprio paciente deve viver a fertilidade das células cancerígenas. Em tudo isso, mostra-se consideração pelas próprias raízes - talvez seja literalmente necessário renunciar à função altamente especializada que se assumiu na sociedade, na firma ou na família, para voltar a se tornar um ser humano com necessidades próprias e idéias malucas.
Todos os pacientes que, por uma vez ainda, viraram a página, contam que suas vidas mudaram radicalmente através da doença. Em vez do consentimento dos outros, passa a haver auto-afirmação, em lugar da submissão do subalterno, a rebelião declarada. Com os pacientes socialmente bem-sucedidos, pode acontecer que a ego-trip vivida mas não vista pelo próprio paciente tenha de ser integrada à consciência. Constata-se então que há outra coisa muito mais essencial.
Os critérios apresentados, de maneira bastante análoga, são válidos também para as terapias dirigidas ao corpo, dos exercícios bioenergéticos que mobilizam a energia vital às injeções. Sempre que as terapias assumem os princípios que o câncer vive de fato, suas chances aumentam consideravelmente. Assim, a medicina antroposófica, por exemplo, utiliza o visco[iv] para colocar em jogo uma excrescência que corresponde parcialmente ao crescimento do tumor. Além disso, as injeções levam a uma estimulação do organismo que o incita à luta. O já mencionado tipo de psicoterapia praticado por Simonton[iv] também se encaixa aqui, se bem que ela mata dois coelhos com uma só cajadada, já que leva os pacientes a vivenciar suas agressões e com isso, ao mesmo tempo, mina o terreno do tumor. Entretanto, ao lutar contra as células cancerígenas é preciso ter cuidado para que a luta contra as células cancerígenas não se transforme em uma luta contra o próprio destino. Antes de cada cura há uma etapa, necessária, de aceitação; brigar com o destino leva à direção contrária[iv].
Em última instância, trata-se de dar uma ajuda à vitalidade e à criatividade do paciente, e não mais ou menos soterrá-las através de "aço, raios e química". Quando, ainda assim, essas coisas devam ser usadas, façam sentido ou não, tais medidas deveriam ser consideradas unicamente um ganho de tempo pelo qual se paga muito caro, sendo as medidas que aumentam a vitalidade introduzidas ao mesmo tempo e, principalmente, depois. Métodos como o de Simonton, por exemplo, são também ótimos subsídios para apoiar uma quimioterapia ou uma radioterapia. De qualquer maneira, o contrário não é verdadeiro. A respiração é um ponto essencial. Respiração é comunicação e esta, no câncer, foi atirada para um plano primitivo e radical. Até este ponto, uma terapia respiratória radical é uma boa possibilidade, tanto mais que a cada sessão o corpo é inundado de oxigênio. Isso já se tornou um método de tratamento de câncer adotado pela medicina alternativa. Além disso, em muitos pacientes de câncer a respiração, sendo uma expressão do fluxo da vida, está limitada e prejudicada. Há na crescente liberação da respiração uma grande oportunidade de voltar a abrir-se para o fluxo da vida.
A mutação no nível celular encontra correspondência na metamorfose do nível anímico-espiritual. Encontra-se neste caminho tudo o que reforça a relação com a religio e que permite o acesso dos afetados a seus níveis mais profundos. Após toda a necessária rebelião contra seu oportunista jogo social, tendo encontrado seus verdadeiros lugares e tendo-os assumido de corpo e alma eles, em qualquer caso, venceram. Isso então significa novamente o fim de todas as tentativas de ser algo especial, o fim de todo o egoísmo. Eles reconhecem que estão no lugar certo e que são um com tudo. Isso seria também a (dis)solução para a célula cancerígena: não assumir seu lugar com resignação e por falta de alternativas, mas assumi-lo conscientemente e reconhecer sua unidade com todo o corpo.
Psicoterapias reveladoras podem ser de valor decisivo nesse caminho, desde que envolvam os níveis do corpo e dos sentimentos e não se limitem aos "pensamentos da cabeça". A grande oportunidade está em decifrar o padrão de vida no qual o câncer tornou-se necessário. A outra é uma questão de humildade e de demência. Pois o amor que tudo abrange, sendo a chave da imortalidade, não pode ser comprovado e nem mesmo ser de fato utilizado terapeuticamente. Pode-se unicamente preparar alguém para que esteja alerta quando isso lhe aconteça. Em todas as épocas alguns pacientes de câncer aproveitaram a possibilidade oferecida pelo fato de estarem mortalmente doentes para abrir-se para esse grande passo. Embora também tenham começado como normopatas eles, sob a pressão de seu sintoma, transformaram-se em seres humanos que impressionavam os outros unicamente com sua presença.


Perguntas
1.      Vivo minha vida ou deixo que ela seja determinada do exterior?
2.      Eu arrisco perder minha cabeça ou assumo todo tipo de compromisso para ficar em paz?
3.      Deixo espaço para minhas energias ou sempre as subordino a regras e determinações preestabelecidas?
4       Eu me permito expressar as agressões ou guardo tudo para mim mesmo e comigo mesmo?
5.      Que papel desempenham as transformações em minha vida? Tenho a coragem de estender-me em novos campos? Sou frutífero e criativo?
6.      A comunicação e um vivo intercâmbio ocupam um lugar de destaque em minha vida, ou eu me entendo melhor comigo mesmo?
7       Eu me permito pular a cerca de vez em quando, ou para mim o melhor é adaptar-me a tudo?
8.      Minhas defesas anímicas e físicas estão em harmonia, ou será que a defesa corporal está enfraquecida em favor da defesa anímica?
9       Que papel desempenham em minha vida as duas perguntas fundamentais: De onde venho? Para onde vou?
10     Será que o grande amor que tudo abrange tem alguma chance em minha vida?
11.    Que papel desempenha em minha vida o caminho que segue o seguinte lema: "CONHECE A TI MESMO – PARA QUE POSSAS CONHECER A DEUS/O TODO/UNIDADE"?

Se existe desarmonia em detrimento da harmonia inerente ao Ser/estar. Se permita a se descobrir.